Tomemos a primeira parte da definição, que diz respeito ao ser da religião. Sua especificação como linguagem cultural de sinais contem três traços: a religião possui caráter semiótico, sistêmico e cultural.
No Curso de Teologia EAD do SETEFI você estuda a religião e a sua fenomenologia manifesta nos vários períodos da história.
Em primeiro lugar, a religião é um fenômeno semiótico. Com isso, distinguimo-nos de outras definições de religião. Não afirmamos que ela é a experiencia do sagrado. Não dizemos também que seja uma projeção humana. Dizemos: ela é um sistema objetivo de sinais. O que significa isso? O ser humano não pode existir em seu ambiente tal qual o encontra. Ele precisa modifica-lo. De um lado, ele faz isso mediante o trabalho e a técnica e, de outro lado, mediante a interpretação. A compreensão do mundo dá-se por meio de um sistema de interpretação: pelo senso comum no dia-a-dia, pela ciência, cultura e religião em campos especializados da vida. Por intermédio do trabalho e do conhecimento, o ser humano transforma seu mundo num lar habitável. A mudança do mundo, valendo-se da interpretação, não acontece mediante intervenções causais na natureza, como no trabalho e na técnica, mas por meio de “sinais”, ou seja, com o auxílio de elementos materiais que, na qualidade de sinais, criam relações semióticas com algo específico. Tais sinais e sistema de sinais não alteraram a realidade específica, mas, sim, a nossa relação cognitiva, emocional e pragmática com ela: eles incrementam a nossa atenção, organizam coerentemente as nossas impressões, ligam-nas aos nossos comportamentos. Somente no mundo assim interpretado é que podemos viver e respirar.
O que existe, pois, de especial no sistema religioso de sinais? Ele se caracteriza pela combinação de três formas de expressão que se ligam dessa maneira apenas na religião: mito, rito e etos. Expliquemos brevemente cada uma dessas formas de expressão.
A disciplina Ciências da Religião do Mestrado em Teologia do SETEFI aborda a divergência e convergência das religiões, a guerra entre a ciência e a religião, e as questões pendentes no campo da ciência e da religião, dentre outros temas.
Mitos explicam, em forma narrativa, o que determina fundamentalmente o mundo e a vida. Na maioria das vezes eles narram o comportamento de diversos deuses num tempo primordial, ou num tempo escatológico, muito distante do presente mundo habitado. Na tradição bíblica, logo se deu uma transformação; o mito das ações fundamentais de Deus foi estendido por toda a história até o presente, tornou-se uma narrativa historico-salvifica que também engloba a história. Ao mesmo tempo, a narrativa de inúmeros deuses converteu-se no relato de um só e único Deus, que conta apenas com um parceiro social; o povo de Israel como representante de toda a humanidade. No cristianismo primitivo, encontramos uma continuação desse desenvolvimento; um mito liga-se a uma história concreta em meio ao tempo. Um ser humano particular, membro do povo de Israel, toma-se o centro de todos os acontecimentos. Uma teoria da religião crista primitiva deve tornar-se compreensível essa ligação singular entre mito e história.
Ritos são padrões de comportamento repetitivos com os quais as pessoas interrompem suas atividades cotidianas, a fim de apresentar a outra realidade significada no mito. Conforme antiga divisão (Plutarco, Is 3.68), eles incluem:
• Palavras interpretativas
• Comportamentos
• Objetos
Nas palavras interpretativas, o mito e atualizado em forma condensada. Destarte, os comportamentos adquirem um excedente simbólico e são relacionados como sinais da “outra realidade”. Em razão desse “excedente”, os objetos presentes no rito são subtraídos ao uso cotidiano, profano — inclusive o lugar e o edifício onde e nos quais os ritos se realizam. Uma teoria da religião crista primitiva tem a ver com uma grande ruptura nas formas de expressão simbólica da religião. Desde logo — de diversas formas no judaísmo e no cristianismo (e também na filosofia) — as práticas rituais tradicionais (os sacrifícios cruentos de animais) foram substituídas por novos ritos (incruentos). Objetos tradicionalmente santos, como templos, perderam sua “sacralidade”. Acima de tudo, porém, chegou-se a um comportamento novo e paradoxal entre realizações rituais e suas interpretações: os primeiros cristãos desenvolveram, na verdade, um sistema de sinais sem templo, sem sacrifício, sem sacerdote, e conservaram, então, de forma dissimulada em suas interpretações, esses elementos tradicionais de sistemas religiosos, muitas vezes até mesmo numa forma arcaica já então ultrapassada: eles cessaram, com efeito, de sacrificar animais, mas, em suas interpretações, reativaram uma forma de sacrifício de há muito superada: o sacrifício de pessoas — como o sacrifício expiatório de Jesus.
Extraído: A Religião dos Primeiros Cristãos – Gerd Theissen (PAULINAS)